Celia Brandão, Psicóloga

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Separação: Morte e Criatividade

“Hoje as crianças são iniciadas, desde a mais tenra idade, na fisionomia do amor e do nascimento: no entanto, quando não vêem mais o avô e perguntam por que, respondem-lhes, na França, que este viajou para muito longe, e, na Inglaterra, que descansa num lindo jardim onde crescem as madressilvas. Já não são as crianças que nascem de repolhos mas os mortos que desaparecem por entre as flores. Os parentes dos mortos são, então coagidos a fingir indiferença. A sociedade exige deles um autocontrole que corresponde à decência ou à dignidade que impõe aos moribundos. No caso destes, como no do sobrevivente, é importante nada dar a perceber de suas emoções. ( Ariés , P História da morte no Ocidente , pag 260 – ed.2003 )

“Nossa opinião sobre a voz interior move-se em dois extremos: ou a vemos como um desvario total ou então como a voz de Deus. A ninguém ocorre que possa haver um meio termo valioso. O “outro” que responde deve ser tão unilateral, por seu lado quanto o eu. Do conflito entre ambos pode surgir verdade e sentido, mas isto só no caso de que o eu esteja disposto a conceder a personalidade que cabe ao outro. Este ultimo tem uma personalidade própria, sem dúvida, tanto quanto as vozes dos doentes mentais; porém um colóquio verdadeiro só se torna possível quando o eu reconhece a existência do interlocutor.” (Jung G.C.,Arquétipos e Inconsciente coletivo par.237)

Vivemos várias separações durante a vida: da casa dos pais, dos vários objetos de amor, das nossas idealizações e a perspectiva da separação da própria vida pela morte. A elaboração de uma ausência envolve um processo de rendição egóica. A possibilidade da superação da perda e da separação reivindica, por outro lado, um ego capaz de valores próprios e do reconhecimento do outro.

A proibição ou a negacão do luto diante de uma perda afetiva tem se intensificado frente à necessidade de desempenho social e de domínio em nosso cotidiano.
A impossibilidade de viver o luto, a falta de acolhimento social para o sofrimento nos lança em um movimento de negação e na necessidade de desfazer precocemente o sentimento de perda na consciência.
Algumas manifestações ou síndromes psíquicas aparecem como escape à vivência do luto e da separação.
“Como viver com a certeza da morte e da separação” (Caruso, Igor, 1981-pag.281)
Para alguns autores o medo da morte está na raiz do medo da mudança. (Gordon, R, 1978.)
De outro lado, reconhecemos que recusar a mudança é estar morto agora.
Se a necessidade de desfazer a separação na consciência antecede a elaboração do luto instala-se a melancolia.
Viver melancòlicamente seria viver na fusão com a lembrança de uma presença. A elaboração de uma ausência se faz na inauguração da possibilidade de uma nova presença na consciência. Reinstala-se, então, o movimento criativo da psique.
Bibliografia :

Ariés , Philippe, História da morte no Ocidente , Ediouro , 2003 – Rio de Janeiro.
Caruso , Igor , A separação dos amantes , Diadorim : Cortez, 1981- São Paulo.
Gordon, R. Dying and Creating : A search for meaning , The Society of Analytical Psychology Ltd 1978 – London.
C.G.Jung Os arquétipos e o inconsciente coletivo , Editora Vozes, 2003 – Petrópolis.
Gabriel Garcia Marquez , Memória de minhas putas tristes, Editora Record , 2005 – Rio de Janeiro –São Paulo.

“Esse trabalho foi apresentado no Congresso Latinoamericano de Psicologia Analítica em Punta Del Leste em 2006.”